quarta-feira, 22 de abril de 2015

O Conto “A Bela e a Fera”: da simbologia alquímica ao processo de individuação - Parte 1

                  O Conto “A Bela e a Fera”: da simbologia alquímica ao processo de individuação
                   
A Bela almoçando com a Fera em uma ilustração de Anne Anderson.

 Resumo: O presente artigo tem por objetivo abordar o caráter transformador do arquétipo de animus e o processo de integração deste em paralelo ao processo de individuação, a partir do conto A Bela e a Fera, que nos mostra a metamorfose do noivo-animal em príncipe. Com relação ao processo de individuação, analisamos o símbolo do casamento presente em vários contos de fada, como símbolo alquímico do processo, representando a união dos opostos, representação da meta psíquica pela totalidade.

Palavras-chave: arquétipo de animus, símbolo, processo de individuação, coniunctio

A Bela e a Fera (A Bela e o Monstro em Portugal) é um tradicional conto de fada francês. Em francês La Belle et la Bête, a primeira versão do conto foi publicado por Gabrielle-Suzanne Barbot, Dama de Villeneuve em La Jeune Ameriquaine et les Contes Marins, em 1740. (WIKIPEDIA, 2009).

A versão mais conhecida foi um resumo da obra de Madame Villeneuve, publicado em 1756 por Madame Jeanne-Marie LePrince de Beaumont, no Magasin des enfants, ou dialogues entre une sage gouvernante et plusieurs de ses élèves. A primeira versão inglesa surgiu em 1757. (op. cit.)

            Resumidamente, o conto "A Bela e a Fera" relata a história da filha mais nova de um rico mercador, que tinha seis filhos: três homens e três mulheres. Enquanto as filhas mais velhas gostavam de ostentar luxo, de festas e lindos vestidos, a mais nova, que todos chamavam Bela, era humilde, gentil, generosa e tratava bem as pessoas.

           Certo dia, o mercador perdeu toda a sua fortuna, com exceção de uma pequena casa distante da cidade. Bela e seus irmãos aceitaram a situação com dignidade, mas as duas filhas mais velhas não se conformavam em perder a fortuna e os admiradores, e descontavam suas frustrações sobre Bela, que humildemente não reclamava e ajudava seu pai como podia.

            Um dia, o mercador recebeu notícias de bons negócios na cidade, e resolveu partir. As duas filhas mais velhas, esperançosas em enriquecer novamente, encomendaram-lhe vestidos e futilidades, mas Bela, preocupada com o pai, pediu apenas que ele lhe trouxesse uma rosa. Quando o mercador voltava para casa, foi surpreendido por uma tempestade, e se abrigou em um castelo que avistou no caminho.

           Ao partir, pela manhã, avistou um jardim de rosas e, lembrando do pedido de Bela, colheu uma delas para levar consigo. Foi surpreendido, porém, pelo dono da roseira, uma Fera pavorosa, que lhe impôs uma condição para viver: deveria trazer uma de suas filhas para ficar em seu lugar.

           Ao chegar em casa, Bela, mediante a situação resolveu se oferecer para a Fera, imaginando que esta a devoraria. Porém, ao invés de a devorar, a Fera mostrou-se aos poucos como um ser sensível e amável, fazendo todas as suas vontades e tratando-a como uma princesa. Assim, apesar de achá-lo monstruoso, Bela se apegou a Fera. Certa vez, Bela pediu que a Fera a deixasse visitar sua família, pedido que foi concedido, a muito contragosto, com a promessa de ela retornar em uma semana. O monstro combinou com Bela que, para voltar, bastaria colocar seu anel sobre a mesa, e magicamente retornaria.

            Bela visitou alegremente sua família, mas as irmãs, ao vê-la feliz, rica e bem vestida, sentiram inveja, e a envolveram para que sua visita fosse se prolongando, na intenção de Fera ficar aborrecida com sua irmã e devorá-la. Bela foi protelando sua volta até ter um sonho em que via Fera morrendo. Arrependida, colocou o anel sobre a mesa e voltou imediatamente, mas encontrou Fera morrendo no jardim, pois essa não se alimentara mais temendo que Bela não retornasse.

Ilustração para a edição de “Beauty and the Beast”, Walter Crane,
Londres: George outledge and Sons, 1874
           Assim, Bela compreendeu que amava a Fera, que não podia mais viver sem ela, e confessou ao monstro sua resolução de aceitar o pedido de casamento. Mal pronunciou essas palavras, a Fera se transformou num lindo príncipe, pois seu amor colocara fim ao encanto que o condenara a viver sob a forma de uma fera até que uma donzela aceitasse se casar com ele. O príncipe casou com Bela e foram felizes para sempre.

            Analisando o conto, observamos que inicialmente, a convivência com a Fera era assustadora para a jovem. Contudo, ao aprender a valorizá-la, respeitá-la e amá-la, esta se transforma num príncipe, e o pai da moça é salvo. Deste modo, a redenção do pai é a transformação da “Fera”, do animus negativo que existe no interior da mulher, em um homem que tem uma boa relação com o feminino. Assim, redimir o pai é, de certo modo, redimir o feminino.

            A redenção do feminino ocorre quando a mulher não é nem submissa ao masculino, nem o imita. Deste modo, a redenção do feminino se dá quando a mulher passa a se valorizar e a viver de maneira espontânea, de acordo com suas necessidades e sentimentos, sendo capaz de dialogar com seu animus, não sendo, portanto, controlada por ele. “(...). Toda mulher tem uma dimensão masculina, geralmente oculta em sua psique inconsciente. Corresponde-lhe, no homem, a presença de um lado feminino que, no mais das vezes, é inconsciente e inacessível.

            A tarefa do crescimento pessoal para cada um é tomar consciência desse lado contrassexual, valorizá-lo e exprimi-lo conscientemente, quando a situação for apropriada. Quando o lado contrassexual é aceito e valorizado, torna-se uma fonte de energia e inspiração, permitindo a união criativa dos princípios masculino e feminino no interior da pessoa, assim como o relacionamento criativo entre homem e mulher.”(LEONARD, 1997, p.55)

            Grande parte dos contos de fada tem um final feliz, simbolizado pelo casamento, que segundo Estés (1994) representa a procura de um novo status, o desdobramento de uma nova camada da psique. Na alquimia a união entre opostos é comumente representada pelo casamento entre figuras masculinas e femininas, o que é denominado de coniunctio. A coniunctio alquímica simboliza uma união transformadora de substancias dessemelhantes.

            A partir dos símbolos alquímicos, Jung vislumbra alegorias do processo de individuação, como explicitado da seguinte citação: “O lado místico da alquimia é, deixando de lado o aspecto histórico, um problema psicológico. Trata-se, ao que parece, do simbolismo concretizado (projetado) do processo de individuação. Este produz ainda hoje símbolos que têm a mais íntima relação com a alquimia. Devo remeter o leitor, no tocante a isso, a meus trabalhos anteriores que tratam dessa questão do ponto de vista psicológico, ilustrando o processo com exemplos práticos.”(JUNG, 2003, p. 107).

Autora: Gabriella Gomes Cortes. Psicóloga graduada pela UFRJ. Pós- graduanda em Psicologia Analítica pelo IBMR. Psicóloga da Prefeitura de Niterói (SMAS)

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