A Bela e A Fera (La belle et la bête - 2014) |
Nesse primeiro momento do conto, percebemos que Bela é como um ego indiferenciado, uma vez que vive num estado de simbiose com seu pai, o que pode representar, metaforicamente, um estado de caos, de inconsciência. O processo de diferenciação se dá a partir do momento em que o pai de Bela parte em viagem, em busca de reaver sua riqueza. O interessante é que antes de partir, oferece um presente cada uma das filhas e enquanto as irmãs pedem bens materiais (jóia e vestido), Bela pede apenas uma rosa.
O simbolismo da rosa é extremamente rico, visto que a rosa esta associada aos mistérios de Isis, como também ao culto da deusa Afrodite (ou Vênus). Além, disso a rosa, como as demais flores, por terem formato circular, representam a totalidade, o Self e a busca pela perfeição através do processo de individuação. Segundo Jung (2006), a rosa, em geral, dispostas em quatro raios, o que indica a quadratura de um círculo, representando assim a união dos opostos, simboliza a totalidade.
Sobre os símbolos da totalidade, Jung estudou as mandalas das religiões orientais. “Mandala”, em sânscrito, significa círculo e designa os desenhos circulares utilizados em rituais de contemplação. “A meta da contemplação dos processos representados na mandala é que o iogue perceba (interiormente) o deus, isto é, pela contemplação ele se reconhece a si mesmo como deus, retornando assim a ilusão da existência individual à totalidade universal do estado divino.”(JUNG, 2006, p. 353)
Edinger (2008), fala sobre o aspecto teleológico das flores, que é de atrair através da beleza e de seu símbolo como uma isca para ego na busca da perfeição através do processo de individuação. “Eu penso que as flores são, primeiramente, uma referência ao aspecto erótico da energia motivadora. Nos sonhos, as flores geralmente apontam para duas idéias principais: quando uma flor única é enfatizada, com muita freqüência indica uma imagem mandálica, já que flores são mandalas naturais. A outra idéia é a de que flores representam a capacidade natural de atrair. Elas são representações da beleza, uma isca. Provavelmente, do ponto de vista teleológico, é para isso que uma planta gera flores. Elas atraem criaturas que servem aos seus propósitos. Assim, consideradas psicologicamente, as flores representariam a isca de beleza que o inconsciente estende para o ego, para atraí-lo ao processo de individuação”(EDINGER, E. 2008, p.60-62)
As flores também representam o elixir da vida, uma vez que a floração exprime o retorno ao centro, à unidade, ao estado primordial. Por isso, muitas vezes são consideradas a representação da alma, o centro espiritual: “Associadas analogamente às borboletas, tal como elas, as flores representam as almas dos mortos. [...] Com efeito, muitas vezes a flor apresenta-se como figura-arqúetipo da alma, como centro espiritual.” (Chevalier, J., 1998, p. 438-439) No conto em questão, a rosa é o elemento instigador de todo o drama que se seguirá, pois é a partir de seu roubo se dará toda a transformação da personagem principal. Assim como, a mordida da maçã do jardim do Éden, o roubo da rosa é o ato transgressor que traz luz ao desconhecido, uma vez que produz consciência e promove a transformação.
Ao roubar a rosa de um castelo desconhecido, o pai de Bela se depara com a Fera que o condena a morte por seu ato. Porém, diante das súplicas do pobre homem, a Fera poupa-lhe a vida com a condição que uma de suas filhas fosse morar em seu castelo. Retornando ao lar, o pai entristecido conta o ocorrido, e Bela se oferece para morar com a Fera. Nesse momento, ocorre a separação da heroína com seu núcleo familiar. Vale ressaltar que o tema da separação é muito freqüente nos mitos de criação, nas sagas heróicas. Segundo Edinger (2008) a separação (operação separatio, na alquimia) corresponde ao ato inicial de criação, que cinde a luz das trevas.
Como no mito da criação cristão, no começo havia apenas caos e a partir da intervenção divina, houve uma cisão, separando a terra do céu. Alegoricamente, essa separação corresponde ao nascimento da consciência, o nascimento do ego – o que no conto corresponde a ida da heroína ao castelo da Fera. A partir do roubo da rosa, tem início a difícil missão da heroína que é viver num novo mundo e conviver com a Fera. Essa difícil missão é o anúncio da opus alquímica, o prenúncio da transformação. A Fera é a representação de num animus animalesco, regredido e, até mesmo, negligenciado, pois vive só em seu castelo.
O encontro de Bela e a Fera seria assim uma alegoria do contato entre ego-animus. Ao entrar em contato com Fera, uma criatura repugnante, Bela sente medo, mas com o passar do tempo é construído um vínculo entre os dois personagens. Como prova de confiança, a Fera deixa Bela visitar sua família. O retorno ao lar de Bela, representa a regressão do ego diferenciado ao inconsciente original, o que se assemelha a operação alquímica solutio.
“Para o alquimista, a solutio significava o retorno da matéria diferenciada ao estado original indiferenciado, prima matéria. A água era vista como útero, e entrar na água, a solutio, era retornar ao útero para renascer.”(EDINGER, E. 2008, p. 66) Jung sugere em sua teoria uma relação simbólica entre a mãe e o inconsciente, pois, como a mãe é fonte da vida física, também o inconsciente é a fonte da vida psicológica. Portanto, a mãe e o inconsciente podem ser vistos como símbolos femininos equivalentes.
Autora: Gabriella Gomes Cortes. Psicóloga graduada pela UFRJ. Pós- graduanda em Psicologia Analítica pelo IBMR. Psicóloga da Prefeitura de Niterói (SMAS)
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